14 agosto 2017

Depressão como doença do trabalho. Quais os efeitos jurídicos desta relação e como caracterizá-la?

A depressão pode ser enquadrada como doença ocupacional. Veremos como caracterizar a relação de causa e efeito (nexo) e quais as suas principais implicações.



No presente artigo, serão apresentadas informações sobre a depressão e possibilidade de seu enquadramento como doença ocupacional. Depois disso, serão expostos os principais efeitos jurídicos do estabelecimento desta relação. O tema é extenso e complexo. Será abordado resumidamente, como uma introdução à matéria e estímulo à reflexão.
1- A depressão
A depressão é uma doença psiquiátrica crônica e recorrente, que produz uma alteração do humor caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a distúrbios do sono e do apetite (1). Tem diferentes graus e sintomas, como por exemplo alteração de peso, distúrbio de sono, problemas psicomotores, fadiga ou perda de energia constante, culpa excessiva, dificuldade de concentração, ideias suicidas, baixa autoestima e alteração da libido (2).
Conforme dados recentemente divulgados pela Organização Mundial de Saúde, a depressão é a maior causa de incapacitação no mundo, atingindo 322 milhões de pessoas em 2015. Este número é 20% superior ao de casos diagnosticados em relação ao ano de 2005 (3).
A incapacitação reconhecida pela OMS naturalmente implica prejuízo à condição de trabalho. No Brasil, só no ano de 2016, mais de 75 mil pessoas foram afastadas do trabalho por depressão (4)
Os dados acima evidenciam a importância do tema. Realmente, a depressão é uma DOENÇA, e das mais graves e preocupantes, a despeito de estigmas e preconceitos que ainda a cercam.
2- Quais as causas da depressão ?
No que diz respeito à(s) causa (s) da depressão, todas as fontes consultadas apontam para o caráter multifatorial da doença. Isso significa que ela não é moléstia que decorra de um fato pontual ou tenha somente uma causa; surge da interação de vários fatores. Tais circunstâncias não impedem que ela seja classificada como doença relacionada ao trabalho, como veremos adiante.
No âmbito médico – e consequentemente nas perícias médicas previdenciárias e trabalhistas - há divergência no que diz respeito aos fatores que levam ao surgimento da depressão. Da mesma forma, há discussão quanto a relevância de cada um dos elementos na interação que culmina com o seu desenvolvimento. De todo modo, são frequentemente listados, por exemplo: predisposição genética, ambiente familiar, educação, características psicoemocionais e outros elementos estressantes, entre os quais o trabalho. É este último fator que desperta o nosso interesse.
3- A depressão como doença ocupacional
A lei reconhece expressamente a possibilidade de que o trabalho ou condições de sua realização impliquem no desenvolvimento de doenças. Estas são chamadas de doenças ocupacionais (profissionais ou do trabalho) (5).
Há previsão legal de que mesmo que o trabalho não seja causa única, estará caracterizado o nexo causal, ou seja, a relação de causa e efeito, se ele tiver ao menos contribuído para o aparecimento ou surgimento da doença (6). É por isso que o aspecto multifatorial da depressão não impede que ela seja classificada como doença ocupacional.
Assim, tanto do ponto de vista médico como jurídico e legal, há amparo para que se estabeleça o nexo de causalidade (relação de causa e efeito), entre o trabalho e a depressão. Para tanto, diante de cada caso concreto, o profissional responsável pela análise deverá levar em consideração todas as condições de trabalho. Elas devem ser confrontadas com os demais elementos subjetivos e objetivos que possam figurar entre as causas da moléstia. Ao final, levando em conta os fatores oriundos do trabalho e também os demais, se conclui se aquele pode ter ao menos contribuído para o surgimento ou agravamento da depressão. Neste cenário, a doença deve ser reconhecida como ocupacional.
A prática de assédio moral ou sexual pelo empregador, sujeição do empregado a jornadas de trabalho abusivas e sobrecarga de trabalho (7 a 9), entre outras condições, são reconhecidas pela doutrina e jurisprudência como condições de trabalho que podem ser relevantes para o surgimento ou agravamento de depressão.
É recomendável que as circunstâncias relacionadas ao trabalho que tenham contribuído para o aparecimento ou agravamento da depressão sejam indicadas na CAT, atestados, relatórios e laudos médicos. Isso facilitará a compreensão e análise do caso por Perito do INSS ou da Justiça, viabilizando a concessão do benefício previdenciário correto e reconhecimento dos demais direitos. Em ações judiciais, as condições de trabalho podem ser comprovadas por outros documentos e por testemunhas, além da documentação médica.
É importante destacar que para os casos de doença profissional, há presunção legal do nexo de causalidade (10). Ainda assim, não é excesso de zelo que o profissional responsável pelo diagnóstico aponte as condições relacionadas ao trabalho que possam ter contribuído para o aparecimento ou agravamento da doença nos laudos, atestados e guias de encaminhamento, para assegurar o correto enquadramento da situação e a implementação dos efeitos jurídicos que serão descritos abaixo.
4- Quais os efeitos jurídicos da caracterização da depressão como doença ocupacional?
O reconhecimento da relação entre o trabalho e condições de seu desempenho e a depressão tem grande importância, primeiramente, pelo aspecto social e de saúde (individual e pública). Como dito no princípio, esta doença é da maior gravidade. Enxergá-la em seus vários aspectos permite atacar suas causas, reduzindo o número de vítimas e os danos.
Além disso, o reconhecimento da relação de causalidade entre o trabalho e a depressão tem consequências previdenciárias e trabalhistas diretas, como por exemplo:
- o trabalhador terá direito à emissão de CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho;
- se estiver incapacitado para o trabalho e precisar se afastar por período superior a 15 (quinze) dias, deverá ser encaminhado ao INSS e terá direito ao benefício de auxílio-doença acidentário (código 91);
- durante o período do afastamento, o empregador deverá depositar o FGTS, diferente do que ocorre se o empregado usufruir do auxílio-doença “comum” (código 31);
- após a alta do INSS, o empregado terá um ano de estabilidade.
A constatação de existência de relação entre o trabalho e a depressão pode ter outras consequências mais complexas e que variam conforme as situações concretas. Dependendo do grau de incapacidade ou redução da capacidade de trabalho e da avaliação da responsabilidade do empregador, poderão ser pleiteadas na Justiça do Trabalho indenizações por danos materiais (ressarcimento de despesas e até mesmo pensão), além de indenização por danos morais.
5- Conclusão
Não pode haver dúvida quanto ao fato de que a depressão é uma DOENÇA, com severas consequências. Seu surgimento ou agravamento pode estar relacionado ao trabalho, mesmo que este atue em conjunto com outros fatores. Considerar esta possibilidade e chamar atenção aos efeitos desta grave moléstia representa um importante passo para combatê-la, reduzindo o número de vítimas e a gravidade dos danos que acarreta.
6- Notas bibliográficas e de referência
2-) Idem
5-) Lei 8.213/91:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
6-) Lei 8.213/91:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
7-) “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE DOENÇA EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO - DEPRESSÃO. ASSÉDIO MORAL. EXISTÊNCIA DE CULPA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA RECLAMADA. Trata-se de pedido de indenização por danos morais, fundada em doença equiparada a acidente do trabalho, episódio depressivo em face de tratamento humilhante dispensado à autora e a outros empregados no local de trabalho durante o período em que esteve subordinada à supervisora Lisane Veiga. Conforme consta da fundamentação do acórdão recorrido, o juiz registrou que "a prova pericial comprova a existência de nexo causal entre o inapropriado tratamento no ambiente de trabalho e a moléstia desenvolvida durante o contrato, sendo evidentes os danos morais decorrentes da doença equiparada a acidente do trabalho". O Tribunal a quo, instância exauriente para análise de fatos e provas, com base em laudo pericial que diagnosticou quadro depressivo moderado e na prova oral colhida, assentou que "a doença ocupacional tem como concausa o ambiente laboral excessivamente humilhante, estressante, prejudicial à saúde". E além disso, concluiu que "o nexo de causalidade e a culpa da reclamada restam configurados, a última por meio da atitude da supervisora contratada" . Com efeito, considerando o contexto fático probatório consignado nos autos, acerca da doença adquirida pela reclamante, o dano moral dela emergente e o nexo causal entre o dano e o tratamento humilhante dispensado à reclamante, não há como afastar o direito à indenização. Ademais, ressalta-se que, para se chegar a conclusão diversa do Regional seria necessário o revolvimento do conjunto probatório, não permitido nesta instância recursal extraordinária, ante o óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido . (...) (TST - RR: 376008520075040030, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15/04/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2015)
(10) RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL E MATERIAL. DOENÇA OCUPACIONAL. ANEMIA E DEPRESSÃO PROVOCADOS POR INTOXICAÇÃO. PERDA AUDITIVA. SÚMULA 126/TST. 1. Hipótese em que o Colegiado de origem, sopesando o conjunto fático-probatório, foi firme ao concluir pelo dano, nexo de causalidade e responsabilidade subjetiva do empregador pela anemia e depressão temporárias, provocadas por intoxicação, além da "redução bilateral da audição (40%), em grau moderado a severo (70%), para a percepção de sons de todas as frequências audiométricas, com lesões auditivas irreversíveis". 2 A Corte de origem registrou que a intoxicação ocorreu pela exposição do trabalhador a produtos tóxicos utilizados na aplicação de mantas asfálticas, com exposição permanente a hidrocarbonetos aromáticos, hidrocarbonetos alifáticos, xileno, asfalto, cloreto férrico e outros produtos altamente tóxicos, forte na prova pericial, documentos PCMSO e PPRA, exames laboratoriais periódicos e afastamento previdenciário com emissão de CAT pela ré. 3. Consignado no acórdão ser "incontroverso e devidamente comprovado que durante a vigência do contrato de trabalho o reclamante sofreu baixa no número de plaquetas e desenvolveu quadro de anemia profunda, com dores de cabeça, falta de apetite, dores musculares, insônia e depressão, que resultaram no seu afastamento temporário do trabalho mediante benefício previdenciário acidentário" e que "exames de hemograma e de plaquetas, a exemplo do realizado em 24.04.2001 (fls. 76/77) revelam que o reclamante já havia sofrido outros distúrbios em outras oportunidades além da que ensejou seu afastamento previdenciário em 2004", assim, o fato das moléstias terem sido temporárias "não afasta o fato de que houve uma intoxicação que gerou incapacitação e prejuízos, ainda que temporários, de sorte que a sentença de origem igualmente está correta ao declarar que o reclamante, no curso de seu contrato, sofreu um grave dano moral em decorrência da intoxicação sofrida". 4. No tocante à perda auditiva, a Corte de origem consignou que o laudo otorrinolaringológico "descarta a validade da audiometria realizada em 2008 e, com base em audiometria de 28.06.2004 (fl. 88), anamnese e exame físico atual, conclui que o conjunto de dados sugere que o reclamante apresenta redução bilateral da audição (40%), em grau moderado a severo (70%), para a percepção de sons de todas as frequencias audiométricas, com lesões auditivas irreversíveis" e que "o autor não apresenta incapacidade auditiva, mas sim redução da capacidade auditiva que lhe exige maior esforço para executar as mesmas tarefas, devendo evitar o ingresso ou a permanência em frentes de trabalho de empresas onde o risco de ruído está presente e que não tenham implantado um programa de conservação auditiva" e "para as demais atividades da vida diária, há repercussões em grau médio". 5. A comprovação de labor em ambiente ruidoso restou comprovada a partir de documentos PCMSO e PPRA "que apontam o ruído como fator de risco e indicam, inclusive, níveis de pico de ruído superiores a 140dB, não obstante a média no período de oito horas seja inferior a 85dB, recomendando o uso de protetores auriculares" e, assim "tais dados descartam por completo os depoimentos das testemunhas da reclamada no sentido de que não há"barulhos"no ambiente de trabalho do autor". 6. Quanto ao uso de EPI, a Corte Regional foi enfática ao registrar que não houve o fornecimento adequado em todo o período laboral. Assim, "não havendo qualquer prova de que o reclamante já apresentava distúrbio de audição à época de sua contratação, entende-se por consubstanciada a presença de nexo de causa e efeito entre o período em que o autor laborou na empresa reclamada e sua perda auditiva". 7. A Corte regional ressaltou que "o fato de estar comprovada pela perícia e por outros meios de prova a existência de fatores coadjuvantes que contribuíram para desencadear e/ou agravar a perda auditiva acometida ao reclamante, referida concausa não desqualifica o caráter ocupacional da doença e tampouco afasta o nexo com a atividade laboral exercida junto à empresa recorrente". 8. Já a culpabilidade da reclamada foi extraída de sua negligência com seu dever de cautela, salientando que, "os elementos probatórios colacionados ao feito demonstram ter a reclamada atuado com negligência e culpa nos episódios, inobservando normas de segurança e concorrendo de forma omissiva para a ocorrência da doença ocupacional" e quanto ao dano auditivo do empregado restou demonstrado que "a empresa demandada juntou apenas o exame audiométrico realizado em 28.06.2004 (fl. 89), tornando-se confessa quanto à não- realização dos exames médicos admissional e periódicos a que estava por lei obrigada (artigo 168 da CLT), comportando-se, assim, de forma negligente com seu dever legal de cumprir e de fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho". 9. Nesse contexto fático, o recurso não se habilita à cognição extraordinária desta Corte, dado o óbice da Súmula 126, na medida em que a verificação das alegações recursais, no sentido de que as doenças desenvolvida pelo reclamante não decorreram das atividades exercidas na reclamada e ausente culpa, passa pela necessidade de revisão das provas e fatos constantes dos autos. Recurso de revista não conhecido, no tema. (...)” (TST - RR: 693007920075040030, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 07/10/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/10/2015)

Por: Marcelo Trigueiros

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