23 abril 2019

O PAD bobinho que virou demissão: entenda os riscos de um Processo Administrativo Disciplinar para servidores públicos

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O que acontece quando o servidor responde a um PAD - Processo Administrativo Disciplinar?

Quando o servidor público comete uma falta mais grave e passa a responder um PAD, ele geralmente já contrata um advogado para defendê-lo desde o início do procedimento disciplinar.
Nesses casos, mesmo diante de uma falta grave, o conhecimento técnico e a atuação estratégica do advogado é capaz de reduzir os riscos de demissão do servidor público.
Uma situação que, num primeiro momento, poderia ensejar na penalidade máxima (demissão), acaba atenuada, terminando em suspensão ou advertência.
A grande questão, e os grandes problemas, acreditem, acontecem em PAD’s e/ou Sindicâncias que, teoricamente, seriam simples, ou com menor potencial ofensivo para os servidores.
E por que isso ocorre?
Se você é servidor público, deve saber que não é obrigatório a defesa por advogado em sede de PAD e/ou sindicância.
Existe a súmula vinculante nº 5, do STF, que determina o seguinte: “falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”
E isso é a primeira coisa que a comissão processante informa ao servidor quando este passa a responder a um PAD: “Não se preocupe. É coisa simples. Nem precisa de advogado.”
É aí que mora o perigo!
Como a situação realmente foi “bobinha”, o servidor, diante de um Processo Administrativo Disciplinar, ou mesmo uma simples Sindicância, acredita que se trata de uma mera formalidade na qual ele comparecerá nos dias e horários designados para responder as perguntas, e depois o processo termina.
E quando ele acha que acabou o procedimento e que sua vida voltará ao normal, vem a bomba: DEMISSÃO!
Essa situação, que, infelizmente, vem se tornado comum, acontece por conta de dois motivos, basicamente:
  • falta de comissão permanente de processo administrativo
  • falta de defesa técnica

Falta de comissão permanente de processo administrativo

Boa parte dos órgãos públicos não possuem comissão permanente de processo administrativo.
Com isso, são nomeados servidores que não possuem experiência em como conduzir um PAD e/ou Sindicância.
Não existem pessoas com o necessário conhecimento técnico-jurídico para o bom desenvolvimento das apurações no transcorrer dos processos.
Com isso, são ignorados aspectos formais do processo, não é dado espaço para a defesa do servidor e esse acaba sendo demitido indevidamente.

Falta de defesa técnica

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O servidor, sem advogado, também não possui experiência com PAD e não possui conhecimento técnico-jurídico sobre processo administrativo.
Daí, o servidor não consegue avaliar quando a comissão processante está agindo de maneira equivocada ou cometendo erros nos procedimentos.
Ou, o que é ainda pior, quando ele está sendo mera vítima de perseguição, com um PAD arbitrário e descabido.
Além de tudo isso, sozinho, o servidor não tem a menor condição de avaliar qual a melhor estratégia de defesa para não ser demitido ao final do procedimento disciplinar.
Por que, sim, a defesa em um processo é sempre uma estratégia, que pode facilitar (ou dificultar, quando a estratégia é equivocada) a vida do servidor.

As dificuldades de uma ação judicial

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Quando um servidor é demitido por meio de um Processo Administrativo Disciplinar, é possível que ele ingresse na Justiça para tentar reverter a decisão.
Mas temos percebido, na prática, que os tais PADs “bobinhos”, em que não há defesa técnica por parte de um advogado, são as ações mais difíceis.
Os motivos das dificuldades, geralmente são os seguintes:
  • a documentação relativa ao caso não foi trazida para o PAD;
  • depoimentos das testemunhas que poderiam ajudar na defesa do servidor não são devidamente anotados na ata do interrogatório;
  • o servidor não tem experiência em interrogatórios e não sabe fazer as perguntas certas, que vão ajudar na sua causa;
  • o servidor é confundido com perguntas capciosas e suas respostas são anotadas em ata conforme a conveniência dos interrogadores;
  • provas que deveriam ser produzidas no PAD e não foram, não podem mais ser produzidas na ação judicial (uma testemunha que não é encontrada, um documento que some).
Daí, no caso de uma ação judicial, o juiz vai analisar o processo disciplinar.
Ele verifica que o servidor foi intimado de todos os atos, que compareceu em todos os procedimentos, que as provas foram produzidas.
Numa análise inicial, ele não vai identificar nenhuma ilegalidade.
Essa análise inicial é a que o juiz faz para verificar se concede ou não a liminar para o retorno imediato do servidor ao seu cargo.
Uma vez que o juiz não identificou ilegalidades bruscas na análise preliminar, ele não vai determinar o retorno imediato do servidor para o órgão, devendo o processo cumprir todas as formalidades até que, ao final, o juiz anule o Processo Administrativo Disciplinar e determine o retorno do servidor ao seu cargo.
Contudo, um processo judicial pode demorar anos, e durante este tempo, o servidor demitido, fica sem renda.
Perceba o problemão do servidor: por não fazer uma defesa técnica no PAD “bobinho”, acaba sendo demitido, e para reaver seu cargo na Justiça, pode ter que esperar por vários anos.

Como se defender sem riscos num PAD?

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Se você passou a responder a um Processo Administrativo Disciplinar, tem que avaliar com cuidado do que se trata a acusação.
Lembre-se que você deve ser intimado (notificado) de todos os atos do PAD, tem direito a acessar todos os documentos e participar de todos os interrogatórios.
Caso não queira participar diretamente, você pode constituir um procurador para fazer isso no seu lugar.
Agora, para minimizar os riscos que apontamos, é fundamental você contar com a ajuda técnica de um advogado.
Mesmo que seja um PAD “bobinho”, você pode ao menos consultar um advogado para avaliar a necessidade de um acompanhamento permanente no PAD.
E, se for o caso, responder a todos os atos do PAD com o acompanhamento do advogado.
Com isso, você pode, por um lado, conseguir liquidar com o PAD já na fase administrativa.
E, caso não consiga, em uma eventual ação judicial, terá mais elementos para fazer uma defesa mais eficiente, inclusive conseguindo uma liminar para retomada imediata do cargo.
 Por: Sérgio Merola

15 abril 2019

Cuidados que o comprador deve antes de adquirir um imóvel

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São diversos os tipos de negócios que envolvem imóveis, cujos quais podem trazer, consigo, também inúmeros problemas para, principalmente, o comprador. Ocorre que, como toda e qualquer relação negocial, existem riscos e eles são diferentes para cada espécie de situação.
Diante disto, é importante que o indivíduo, que tenha interesse em adquirir um imóvel, principalmente imóveis, sejam eles casas, terrenos, apartamentos, entre outros, tome precauções e cuidados na hora da aquisição, visto que, naturalmente, negócios imobiliários envolvem, normalmente, valores altos, valores estes que podem corresponder a uma vida de trabalho ou a única fonte guardada pela pessoa e por aí vai.
Por tais motivos, é imprescindível que o comprador, antes de fechar a compra, verifique, por exemplo, se o imóvel está com os documentos em ordem, se pertence a quem realmente se diz proprietário, se o proprietário é financeira e moralmente idôneo, se não há nenhum impedimento legal para a transferência do bem ou se o proprietário não tem o “nome sujo na praça” a ponto de seus débitos surtirem efeitos direito no imóvel a ser comprado.
Para isso, o comprador pode se precaver, evitando alegações de fraudes na negociação, tais como a fraude contra credoresou a fraude à execução, colhendo, em nome do vendedor ou proprietário e do imóvel em si, certidões perante os diferentes órgãos, sendo este o 1º passo cauteloso a ser tomado pelo comprador: BUSCA DAS CERTIDÕES RELATIVAS AO IMÓVEL e AO PROPRIETÁRIO/VENDEDOR.
Limitado este artigo a tratar dos imóveis URBANOS, vejamos algumas CERTIDÕES que pode o comprador adquirir antes de concluir a compra de um imóvel, seus graus de importância e o local onde podem ser captadas.
Por ordem, teríamos o seguinte:
  • Certidão de Ônus reais da matrícula do imóvel
É a principal certidão a ser captada pelo comprador. Através dela, que nada mais do que uma histórico contendo todos os dados de registro e informações relacionadas ao imóvel, o comprador obterá dados como:
  1. O seu nº perante o Registro Geral de Imóveis (RGI),
  2. A descrição do imóvel e o seu real e atual proprietário, seu estado civil,
  3. Se existe algum gravame ou ônus (usufruto, hipoteca, penhora por dívidas, garantia de uma locação),
  4. Se possui cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade,
  5. Se o imóvel foi adquirido do pai do vendedor ou avô e o vendedor possui irmãos (pois, neste caso, deve haver anuência dos demais descendentes para a aquisição)
Esta é algumas das informações que podem ser encontradas na Certidão de Ônus e que possuem total relevância e aplicação direta para a aquisição de um imóvel. Vale dizer que esta certidão pode ser simples, vintenária ou de inteiro teor, ou seja, a depender da necessidade, o comprador pode obter o histórico do imóvel atual (certidão de ônus simples), dos últimos 20 anos (certidão de ônus vintenária) ou o histórico do imóvel desde o início de sua existência (certidão de ônus de inteiro teor).
  • Certidão de regularidade fiscal e condominial
Interessante que o comprador, antes de adquirir o imóvel, busque as Certidões de regularidade fiscal do imóvel, principalmente as Certidões Negativas, pois é através desta que se obterá as informações relativas aos tributos municipais (IPTU, taxas de esgoto e lixo, etc.).
Não basta somente a apresentação do último carnê de IPTU quitado.
Outro documento que realça a regularidade do imóvel, em se tratando de condomínios, é a obtenção do Nada Consta atualizado, que podemos dizer ser a certidão negativa de débitos condominiais, de preferência com no máximo 20 dias da data requerida (antes do vencimento da próxima parcela condominial).
  • Certidão Negativa de Enfiteuse
Se o imóvel pertencer ao regime de enfiteuse (no caso da enfiteuse particular, esta foi extinta pelo novo Código Civil de 2002), cuja propriedade pertence, normalmente, à União, deve-se analisar se o foro e o laudêmio estão em dias, pois estas obrigações pertencem à coisa, ao imóvel (dívida propter rem). Adquire-se esta Certidão perante a Secretaria do Patrimônio da União.
  • Certidão referente à pessoa do vendedor
Nesta hipótese, eis que estão as principais informações a serem colhidas em razão da pessoa do proprietário do imóvel ou do vendedor. Através destas Certidões pode-se atestar a idoneidade do vendedor/proprietário. Isto porque, a depender da situação, poderá o comprador ser submetido à problemas como a fraude contra credores (art. 158, do Código Civil) ou a fraude à execução (art. 789 ao 796, do Código de Processo Civil), tendo como consequência uma bela dor de cabeça, pois são situações que podem comprometer o negócio entabulado.
Podemos então compreender os seguintes documentos, cujos quais podem ser obtidos pelo comprador ou diretamente junto à pessoa do vendedor mediante solicitação, quais sejam:
  1. Certidão de existência de ações judiciais (federais ou estaduais, civis, criminais e trabalhistas) em nome do vendedor ou do proprietário;
  2. Cópia do CPF ou CNPJ. Esses documentos são de suma importância para aferir se as informações do vendedor “batem” com a veracidade, se a pessoa física tem idade para negociar e vender, dentre outros;
  3. Cópia do RG;
  4. Certidão de Nascimento e/ou Casamento, pois através dela pode-se angariar a informação se o vendedor é casado e, aí sendo, ser necessária a outorga do (a) cônjuge a depender do regime de casamento;
  5. Certidões Negativas de Tributos Federais, Estaduais e Municipais;
  6. Certidão Negativa do Tabelionato de Protestos.
A grande intenção de se colher todos estes documentos, que, eu concordo, não são poucos, é evitar e precaver que o grande sonho de ter a casa própria e formar seu patrimônio, seja ela qual for, se torne um grande pesadelo. Logo, nem sempre o melhor preço é o melhor negócio.
Vale ressaltar que muitos destes documentos são imprescindíveis serem apresentados na hora da formulação da escritura pública e do registro. Portanto, seja de uma forma ou de outra, no momento anterior à aquisição ou no momento do seu registro, estes documentos terão de ser captados.
E vale dizer que, para além deste rol de documentos, ainda existem as despesas e as taxas, que variam conforme o negócio e o local do negócio.
Conclusão: todo cuidado é pouco! Na hora de se adquirir um imóvel, a ajuda de um corretor não basta. É importante se ter em mente que precauções têm de ser tomadas para que o negócio não se torne um grande prejuízo, como eu já vi acontecer algumas vezes na prática. O apoio de um jurídico por trás, técnico e especialista na área, é importantíssimo e auxilia na condução correta do negócio, incluindo a análise documental e legal da coisa.

Por: Pérecles Reges

04 abril 2019

O STF e a constitucionalidade dos sacrifícios de animais em cultos de religiões de matriz africana




Na semana que passou foi extremamente comentada a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em sessão ocorrida no dia 28 de março, finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 494.601 e decidiu pela constitucionalidade da lei do estado do Rio Grande do Sul que permite a utilização de animais em cultos de religiões de matriz africana. “Os ministros analisaram o tema através de uma lei estadual do Rio Grande do Sul que deixou expresso que é possível o sacrifício animal nessas situações.” (PUPO, 2019).
Para entender a questão, é necessário retroceder no tempo: o caso chegou ao Supremo através de um recurso do Ministério Público gaúcho contra uma decisão do judiciário local que deliberou que o sacrifício dos animais não viola o Código Estadual de Proteção aos Animais. “A norma local definiu que os rituais de sacrifício nas religiões africanas não são inconstitucionais, ‘desde que sem excessos ou crueldade’.” (STF CONFIRMA... 2019).
O julgamento começou no ano passado, mas estava suspenso “devido a um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes”. (PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, 2019). Foi, então, finalizado na tarde do dia 28 de março de 2019. Ao apresentar voto-vista na sessão, “o ministro Alexandre de Moraes votou no sentido de dar ao artigo estadual interpretação conforme a Constituição e afirmou que a sacralização é parte essencial dos cultos afro-brasileiros. ‘São rituais que não figuram maus tratos aos animais e não há como restringir por causa da liberdade religiosa. Não há prática com emprego de maldade e maus tratos’, disse.” (COELHO, 2019).
Durante o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso “entendeu que a lei local deu proteção especial às religiões de matriz africana em razão do histórico de discriminação. ‘A liberdade religiosa é um direito fundamental das pessoas, é um direito que está associado às escolhas mais essenciais e mais íntimas que uma pessoa pode fazer na vida’, disse.”’ (STF CONFIRMA... 2019).
Na conclusão, os ministros entenderam que a crueldade contra os animais não faz parte do ritual de culto das religiões de origem africana. Além disso, a Constituição garante a liberdade de culto religioso a todos os cidadãos. (STF CONFIRMA... 2019).
Votaram a questão os ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o presidente, Dias Toffoli.
A decisão foi tomada em um recurso com repercussão geral e deverá ser aplicada por todos os tribunais e juízes do país em casos semelhantes. (BARBIÉRI; OLIVEIRA, 2019).
Por outro lado, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA) – a maior rede de proteção animal do Brasil, que conta com mais de 100 ONGs afiliadas –, sustentou que “nenhum dogma pode se legitimar pela crueldade.” (PONT, 2019).
A AVAAZ.org assim se posiciona em relação à legalização do sacrifício de animais em cultos religiosos:
a liberdade de crença não pode se sobrepor ao direito dos animais. Trata-se de ato de selvageria, covarde e de crueldade contra incapaz. (AVAAZ, [2019?]).

Comentários do membros da Comissão de Estudos

Por sua vez, a II Comissão de Estudos em Direito Animal do Canal Ciências Criminais – edição 2019 –, formada por um grupo de pesquisadores sobre a causa animal, também abordou essa decisão do STF. Seus membros assim se pronunciaram:
“Uma grande derrota para a proteção e o bem-estar animal aconteceu hoje [28 de março]. A laicidade do Estado não significa falta de ponderação de princípios, mas a legislação brasileira insiste em reconhecer o direito à vida apenas ao animal humano; ao não humano fica o interesse ambiental ou, agora, religioso.” (Bruno N. Duque da Silva, Advogado, Especialista em Direito Público e Direito Penal).

“Por primeiro, é necessário ponderar valores e princípios para ampliar a ideia do limite da liberdade humana em relação ao outro e ao meio ambiente, vez que a sociedade ainda apresenta aspectos especistas e antropocêntricos. Além disso, submeter um animal senciente à dor é uma questão moral ainda negligenciada ou interpretada de forma equivocada ou superficial. Sendo assim, é indispensável politizar a questão animal para garantir a construção de mecanismos didáticos e menos dogmáticos que possam auxiliar na modificação da cultura e propor, inclusive, meios alternativos para preservar a conexão entre o humano e o divino, como uma oportunidade de aprofundar a ‘humanidade’ e empatia, bem como o reconhecimento da vida animal não apenas para a pacificação social, mas, sobretudo, para o bem-estar de todos.” (Monalyse A. Novinski, Advogada, Bacharela em Psicologia pela PUCPR).

“A decisão do STF, reconhecendo a constitucionalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos, vai de encontro à ética ambiental que impera nesta atual sociedade e ordenamento Jurídico pátrio, após a implementação do Estado Socioambiental Brasileiro, que possuem os limites éticos muito bem delimitados no sentido da consideração moral dos seres vivos. O mesmo já não se pode dizer quanto aos novos limites jurídicos do Supremo, ressurgidos por esta decisão ao permitir que seres vivos sencientes sejam submetidos a tratamento degradante e ao crime de maus-tratos, ou seja, uma excludente de ilicitude fora do estado de necessidade permitido neste tipo de crime.” (Carla F. de Araújo, Advogada, Diretora de Regularização Ambiental em Diamantina-MG).

“A liberdade religiosa está sujeita a limitações contidas na própria lei. No que tange ao uso de animais vivos, tais limitações deveriam se basear no artigo 225 da Constituição, que veda a sujeição de animais a crueldade, intrínseca ao sacrifício religioso. infelizmente, os guardiões da Constituição escolheram desprezar uma previsão constitucional que tem como objetivo evitar o sofrimento animal, confirmando a legalidade de uma prática tão cruel quanto o sacrifício religioso animal.” (Dafne de S. Nogueira, Graduada em Direito, Mestranda em Direito Animal e Sociedade em Barcelona-Espanha).

“As práticas culturais e religiosas existem, todavia, leis que promovam tais práticas que impliquem no sofrimento dos animais devem ser combatidas. A recente decisão do STF que considera constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos vai na contramão de uma tendência mundial que vem sendo adotada por diversos países em considerar o animal como ser senciente, cuja vida é digna de proteção legal. Incluir o animal, que não tem liberdade de escolha, em atos de sacrifício, ainda que amparado pelo viés religioso, é uma crueldade. (Yasmin M. Pinheiro, Bacharela em Direito, Mestra em Direitos Humanos e Direito Internacional).

“O choque entre direitos fundamentais deve ser resolvido sempre com a aplicação do princípio da ponderação. Quando direitos dessa natureza entram em colisão, são denominados ‘hard cases’ e os Tribunais, dentre eles o STF, levam muito tempo para decidirem diante de casos concretos. A vida, a dignidade, a saúde, a liberdade e outros direitos animais estão cada vez mais em alta e parte da sociedade parece começar a se atentar para tais ‘novos valores’. Dessa forma, a recente decisão da predominância da liberdade religiosa sobre a vida animal e a possibilidade do sacrifício (utilização) desses seres em rituais religiosos é um retrocesso jurídico social, pois acaba se carimbando, nestes, um statusde ‘coisa’ que tanto se tenta desvincular.” (Caroline dos P. Veloso, Advogada, Mestra em Planejamento Ambiental pela Universidade Católica de Salvador- UCSAL.).

“O Supremo Tribunal Federal – STF, em consolidado entendimento, limitava o exercício de direitos culturais quando para sua fruição havia a submissão de animais à crueldade (por exemplo, nos julgamentos versando sobre a rinha de galo, a farra do boi e a vaquejada). Estava estabelecido um patamar ético em relação aos animais. Nesse contexto, e especialmente porque a Corte Constitucional brasileira, no julgamento da questão da vaquejada, reconheceu explicitamente que os animais são seres sencientes, causou surpresa a declaração de constitucionalidade de lei gaúcha que permite o sacrifício de animais em cultos de religiões de matriz africana. Esperava-se que ocorresse, cada vez mais, uma ampliação da proteção e do respeito aos animais, uma expansão dos Direitos Animais.” (Arthur H. P. Regis, Bacharel em Ciência Biológicas pela UFPB, Bacharel em Direito pela UFPB/UniCEUB, Mestre e Doutor em Bioética pela UnB).

“A recente decisão do STF sobre o uso de animais em rituais religiosos sepulta em definitivo a ética há muito adoecida naquela Corte, posto que os ministros favoráveis seguem obsoletos na defesa das tradições retrógradas onde permitiram que ideologias imateriais e limitativas tivessem maior valor, sobrepondo-se ao próprio direito à vida, consagrado no artigo 225 da Constituição Federal.” (Geórgia Racca, Advogada, Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde. Bioética e Biodireito).

“Há uma questão jurídica que vem sendo levantada por parte dos constitucionalistas que me parece ser o grande equívoco dessa decisão do STF. A vedação à crueldade animal que está prevista na Constituição Federal tem natureza de regra constitucional. É similar, por exemplo, à vedação de tortura a humanos, também regra constitucional. Logo, por ser regra, não há que se fazer ponderação de princípios colidentes (liberdade religiosa x proteção do ambiente/fauna). Regra exige aplicação e seu papel é o de limitar o âmbito de liberdade de outros direitos fundamentais que colidam com a regra. Logo, nessa ótica, que pra mim é a mais correta, nosso ordenamento jurídico assegura a liberdade religiosa e de cultos, desde que não acarrete crueldade animal. E obviamente que há crueldade nos sacrifícios religiosos. Logo, há vedação de regra constitucional expressa.” (Rogério S. Rammê, Advogado, Doutor em Direito Público pela PUCRS. Mestre em Direito Ambiental pela UCS.)

“A questão em pauta do RE 494601 era sobre isonomia e Estado Laico, questionando se UNICAMENTE as religiões de matriz africana poderiam realizar sacrifício de animais. Mas o STF em sua decisão resolveu legislar, respondeu o que não foi perguntado e ainda apresentou argumentações rasas, falaciosas, desprovidas de embasamento técnico, resultando em uma decisão que defende rituais de sacrifício e mantém a exclusividade para as religiões de matriz africana. Independentemente dos ‘achismos’ do STF, não vai ser admitido que um ato claramente cruel é válido (por motivo da religião, crença ou costume que for) que o ato em si deixa deixará de ser cruel. Quem gostaria de ter uma morte lenta e dolorosa? É cruel causar morte lenta e dolorosa? Morrer sangrando (pela crença de outrem) deixa de ser doloroso por motivo religioso?” (Aleska de V. Domingues, Advogada, pesquisadora voluntária no Grupo de Pesquisa em Direito dos Animais da UFSM, Mestranda em Filosofia – PUCRS)

REFERÊNCIAS
AVAAZ. Contra a legalização de sacrifícios animais em rituais religiosos. [2019?].  Acesso em: 31 mar. 2019.
BARBIÉRI, Luiz Felipe; OLIVEIRA, Mariana. STF decide que sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional. 28 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
COELHO, Gabriela. Lei estadual que permite o sacrifício de animais em religiões é constitucional. 28 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
PONT, Ricardo. STF valida sacrifício de animais em cultos religiosos no país. 28 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. Secretaria de Comunicação Social. STF decide que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos de matriz africana. 28 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
PUPO, Amanda. STF decide que sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional. 29 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
STF confirma validade do sacrifício de animais em cultos religiosos. 28 mar. 2019.  Acesso em: 31 mar. 2019.
Fonte: Canal Ciências Criminais