25 junho 2020

O inquilino deixou o apartamento e não pagou condomínio, luz, água nem o IPTU, e agora?

Essa é uma situação complicada que tem acontecido com certa frequência durante a pandemia. A pessoa perde renda, porque foi dispensada do trabalho e por isso deixa de adimplir as obrigações acessórias. Vamos entender melhor essas situações distintas e o que o proprietário pode fazer nesses casos.


Obrigação contratual, consumerista e tributária.
Antes de tudo, precisamos entender que as obrigações acessórias dispostas no contrato de locação têm natureza e consequências distintas. A taxa condominial é de responsabilidade do proprietário por ter a característica aderir ao imóvel. Todavia o contrato de locação pode atribuir ao inquilino a responsabilidade pela taxa condominial ordinária que é destinada a conservação das áreas comuns, pagamento de funcionários etc. Essa obrigação tem natureza contratual, uma vez que a atribuição vem do contrato de locação e não pelo fato de ser condômino, como ocorre com o proprietário.
Já as obrigações de água, luz e telefone são obrigações de natureza consumerista, uma vez que as empresas se encaixam na condição descrita do Código de Defesa do Consumidor como fornecedoras (art. 3º CDC), enquanto o inquilino, “utiliza produto ou serviço como destinatário final” se enquadra na posição de consumidor (art. 2º CDC). Importante dizer que o que configura ser o consumidor ou não é estar presente na relação de consumo como destinatário final, independentemente de quem consta na conta para fins legais.
Então, é responsabilidade do inquilino arcar com essas obrigações mesmo que o contrato não traga esta previsão, podendo o proprietário arcar com o prejuízo e posteriormente reaver os valores de forma regressiva. Vamos entender melhor com um exemplo:
João alugou uma casa para Pedro que, por não pagar as contas de luz, teve o relógio lacrado e o fornecimento cortado antes de deixar o imóvel. Então, João ao descobrir a situação se vê obrigado a quitar a dívida para poder liberar o relógio e restabelecer o fornecimento, afinal, ninguém alugaria um apartamento sem luz. Valendo-se do contrato de aluguel, João maneja ação executiva em desfavor de Pedro para reaver o valor pago.
Por fim, o IPTU é uma obrigação tributária e aqui devemos considerar alguns pontos. Pelo Código Tributário, o responsável passivo da obrigação de IPTU é aquele que consta como proprietário do imóvel no início do ano fiscal. Todavia, a lei municipal pode instituir que o responsável por pagar o tributo seja o proprietário ou o responsável (quem utiliza o imóvel, que no nosso caso é o inquilino).
Então, dependendo de previsão em lei municipal ele poderá cobrar diretamente o proprietário, o inquilino, ou os dois. Por esse motivo, é de suma importância que o contrato de aluguel preveja a responsabilidade do inquilino, para evitar transtornos futuros, já que créditos tributários são dívidas especiais que podem penhorar até mesmo um bem de família.
Entendidas essas diferenças das obrigações, vamos avançar para uma questão muito importante durante a pandemia no próximo tópico: a suspensão dos aluguéis.
Suspensão do aluguel
Seja por convenção das partes (proprietário e inquilino) ou por decisão judicial, a suspensão total ou parcial dos aluguéis de imóveis residenciais ou comerciais tem sido uma realidade na pandemia. Sempre digo que o diálogo é o melhor caminho, porém isso se torna um pouco mais complicado quando tratamos das demais obrigações acessórias. Isso porque a taxa condominial só pode ser suspensa ou alterada mediante aprovação em assembleia, bem como as contas de a água, luz e telefone dependem de negociação direta com a prestadora de serviço, enquanto o IPTU depende lei municipal específica para sua suspensão durante a pandemia.
A deliberação entre os particulares não tem força jurídica para alcançar os demais condôminos, os prestadores de serviço ou a Fazenda Pública (art. 123 CTN), responsável por cobrar a dívida tributária. Assim, mesmo obtendo a suspensão total ou parcial do aluguel, o inquilino continua responsável por arcar com a totalidade obrigações acessórias. Isso também se aplica a decisão judicial, uma vez que sua força jurídica se limita à relação dos proponentes (efeito inter partes, art. 506 CPC).
Agora, se você é o inquilino e se encontra nessa situação, vamos entender quais possibilidades você tem para solucionar o problema.
Direito de regresso.
Já citamos este termo algumas vezes no artigo propositalmente sem explicá-lo, deixando o momento para esse tópico. O Direito de Regresso é um direito de reaver os valores pagos por quem o pagou (art. 934 CC), que nesse caso se aplica quando o proprietário paga esse débito deixado pelo ex-inquilino, o valor deve ser acrescido de juros e atualização monetária.
Neste ponto se revela uma importante situação: a previsão contratual. Como vimos, a previsão contratual não é suficiente para afastar a obrigatoriedade do proprietário de arcar com as dívidas acessórias deixadas pelo inquilino, como, por exemplo, a possibilidade do município de impor a execução fiscal contra o proprietário e não contra o inquilino.
Todavia, o contrato de aluguel com a cláusula específica impondo tais obrigações ao inquilino, permite que essas dívidas sejam cobradas diretamente, uma vez que o contrato de aluguel é um título executivo extrajudicial e pode ser executado.
Isso quer dizer que, se o contrato não estipular em cláusula específica essas obrigações o proprietário arcará com o prejuízo sozinho? Não, mas ele precisará se valer de uma ação regressiva, que é uma ação autônoma de rito comum, mais complexa e que após toda sua tramitação, com sentença transitada em julgado, dependerá ainda da fase de cumprimento de sentença.
Retenção e execução das garantias.
É possível que esse débito surja durante a vigência do contrato de locação, então, uma solução viável é que o proprietário execute a garantia que foi dada para pagar as obrigações acessórias que não foram cumpridas.
Se a garantia for a de caução em dinheiro e o valor for suficiente, sobrando saldo, ele deverá continuar depositado na mesma conta poupança firmada pelo inquilino e proprietário para este fim. Sobrando valor inferior a três aluguéis, é possível que o inquilino complete a quantia até atingir o valor de 3 aluguéis, devendo o contrato de aluguel receber um aditivo, relatando a utilização da garantia em dinheiro e a nova data de atualização.
Caso o inquilino queira oferecer outra garantia e o proprietário aceite, o valor constante como saldo deve ser devolvido, uma vez que o contrato de aluguel não pode ter mais de uma garantia (art. 37, parágrafo único da Lei do Inquilinato).
Nas demais formas de garantia, a fiança, o seguro fiança, a caução de bens móveis ou imóveis ou as quotas de fundo de investimento, basta a execução dessas garantias conforme suas peculiaridades, como alienar o bem móvel ou imóvel, cobrar o débito do fiador ou acionar o banco garantidor da fiança.
Conclusão
O diálogo é sempre a melhor via e não será diferente nessa situação. Então, cabe ao inquilino, antes de deixar de cumprir as obrigações acessórias, conversar com o proprietário sobre essa situação para que possam chegar a um denominador comum, como, por exemplo: executar a garantia; o proprietário suportar a cobrança e atualizar os alugueis com um valor que possibilite reaver a quantia paga e o inquilino não tenha suas contas sobrecarregadas, etc.
Entretanto, se o litígio for a única opção, tanto proprietário quanto inquilino podem sofrer com cortes no fornecimento do serviço, desinstalação de relógios de água ou de luz e até mesmo ver o bem ser alienado em hasta pública por débitos tributários ou condominiais. Caso o proprietário resolva arcar com o prejuízo, surge o direito de reaver a quantia paga atualizada, por meio de ação regressiva ou executando diretamente o contrato de aluguel, desde que prevista cláusula específica.
Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm