11 novembro 2022

A Hipervulnerabilidade do consumidor idoso.

 


Inexistem discussões a respeito da vulnerabilidade dos consumidores, mesmo porque, o artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor é expresso, vejamos:

Artigo 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº. 9.008 de 1.995).

 Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;” (Destacamos).

Desse modo, partimos do princípio de que todo consumidor é, em regra, vulnerável nas relações de consumo, de modo que, presume-se sua hipossuficiência técnica e financeira em relação aos prestadores de serviço e de produto.

Esse é o entendimento de Rizzatto Nunes, em sua obra Curso de Direito do Consumidor, 11ª edição, Saraiva. pág. 176, que bem define:

Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa ele que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico.

Portanto, deve-se concluir que o consumidor comum se lança ao mercado de consumo em evidente desvantagem, de modo que, devem os fornecedores observar com rigor os deveres da boa-fé, a informação clara e precisa, a tomada de medidas a evitar o cometimento de práticas abusivas e outros mais previstos no referido Códex.

No entanto, existem outros sujeitos e grupos de pessoas, que diante de suas características decorre uma acentuação a sua condição de vulnerabilidade, é o que a doutrina reconhece e denomina como “HIPERVULNERABILIDADE”.

Dentre os casos mais comuns, podemos citar as pessoas com deficiência física ou intelectual que possam lhes diminuir a capacidade de compreensão ou ainda de que os tornem mais suscetíveis a práticas abusivas e também, se enquadram nessa mesma linha de raciocínio, os idosos.

Devemos ressaltar que nestes casos, existem Estatutos próprios que dão o devido destaque e individualizam as suas necessidades e garantias. ( Estatuto do Idoso – Lei nº. 10.741 de 2.003).

Posto isso, voltemos nossa atenção ao fato de que em relação aos consumidores idosos, é evidente que em razão da sua idade e dos problemas de saúde que na grande maioria dos casos a acompanham e da própria redução cognitiva gerada pelo avanço da idade, há uma evidente diminuição de sua capacidade de compreensão das informações que lhes são prestadas, bem como, em relação as consequências legais e práticas e sua drástica diminuição a resistência de golpes ou práticas abusivas.

São as razões pelas quais, é majoritário o entendimento de que este grupo possui direito a uma conduta especial em relação aos prestadores de serviço e produto, não bastando a simples e protocolar conduta praticada em relação aos consumidores comuns e já vulneráveis, é preciso que sejam tomadas medidas práticas e efetivas a garantir a máxima segurança do consumidor idoso.

Mesmo porque, dessa conduta corriqueira, não surtira em relação a este grupo especial o efeito prático que dela se espera.

Resta que esses deveres, muitas vezes, não são observados e as consequências são pouco exploradas pelos operadores do direito, isso porque, as irregularidades e danos geradores nas relações de consumo em relação aos idosos, devem, também, serem consideradas como critério para arbitramento, de modo a majorar eventuais indenizações.

Evidente, quanto mais frágil o lesado, maior é dever de indeniza-lo.

Esse entendimento é acompanhado pela grande maioria dos Tribunais Estaduais, vejamos:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - NEGATIVA DE CUSTEIO DE PROCEDIMENTO MÉDICO - CONSUMIDOR IDOSO - "HIPERVULNERABILIDADE" - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VALOR - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO - MAJORAÇÃO - CABIMENTO. - O valor da reparação por danos extrapatrimoniais deve ser fixado de forma proporcional às circunstâncias do caso, com razoabilidade e moderação, devendo o quantum ser revisto quando não arbitrado em quantia condizente com as conjunturas dos fatos e os parâmetros jurisprudenciais - A qualificação de "hipervulnerável" do Autor, marcada pela sua condição de idoso, deve ser considerada para a fixação agravada do montante reparatório.

(TJ-MG - AC: 10000212465876001 MG, Relator: Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 09/03/2022, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/03/2022).”

“Apelação. Ação declaratória de inexistência de débito c/c indenizatória de danos materiais e morais. Golpe do motoboy. Responsabilidade objetiva da instituição financeira. Falha na prestação do serviço evidenciada. Súmula nº 479 do STJ. Inexistência de prova de culpa exclusiva do consumidor ou do terceiro. Art. 14 do CDC. Hipervulnerabilidade do consumidor idoso. Danos materiais e morais configurados. Indenização devida. Precedente. Ação ora julgada procedente. Recurso da autora provido.

(TJ-SP - AC: 10090011720228260100 SP 1009001-17.2022.8.26.0100, Relator: Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, Data de Julgamento: 30/10/2022, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/10/2022).”

Temos, portanto, que os direitos e garantias previstas ao Consumidor devem, obrigatoriamente, serem maximizados quando o destinatário, ou seja, o consumidor final, estiver enquadrado em uma das situações de HIPERVULNERABILIDADE mencionadas, de modo a evitar que a conduta praticada pela empresa seja enquadrada como abusiva ou ilegal.

De outro lado, destaco que até mesmo a observância irregular ou parcial desses direitos e obrigações, sem a devida atenção aos HIPERVULNERÁVEIS resultará em irregularidade, vez que não atingirá os efeitos práticos que dela se esperam.

De modo que surgirá um elevado dever de indenização pela fragilidade do lesado.

Por: Rafael Scopelli