29 novembro 2018

Existe prazo para a instituição bancária continuar debitando a tarifa de manutenção em conta-corrente inativa?



É controversa a legalidade e justiça da cobrança de taxas e tarifas bancárias após longo período de inatividade do contratante de serviços de conta-correte bancária.
Em que pese a revogação do art. 2º, parágrafo único, da Resolução nº 2.025/1993 do BACEN, que em seu texto original considerava como inativa a conta não movimentada por mais de 06 (seis meses), para fins de cobrança de tarifa, esse critério foi mantido, por aplicação da equidade e boa-fé pelos tribunais brasileiros, pois era necessário sanar a lacuna existente depois da edição da resolução nº 2.303/1996 do BACEN, esta que revogou aquela.[1]
Afrontaria a boa-fé a cobrança ad aeternum de taxas e tarifas bancárias sobre conta-corrente inativa. A instituição financeira apenas lucraria, sem a devida utilização de serviços pela parte contratante. O Código Civil, ao reger as relações contratuais, obriga as partes da relação jurídica a guardarem a boa-fé e os limites sociais e econômicos dos contratos, in verbis:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (CC/02)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (CC/02)
O jurista MIGUEL REALE[2], em lapidar lição, assevera que o atual Código Civil erigiu o princípio da boa-fé como norma ética, como dever anexo aos termos de qualquer contrato, ipis litteris:
"Tornar explícito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade.Trata-se de preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão positivista do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica".
A jurisprudência se perfilha ao conservar, por equidade, o limite de 06 (seis) meses para a cobrança de taxas e tarifas de manutenção de conta-corrente. Nesse sentindo é o aresto do TJSP:
Apelação Cível. Contrato bancário. Ação indenizatória. Sentença de improcedência. Insurgência. Autor que não comprova o pedido formal de encerramento da conta-corrente. Incidência de tarifa de pacote de serviços nos meses sem movimentação. Entendimento jurisprudencial da necessidade de encerramento da conta pela instituição financeira após seis meses sem atividade. Cobrança indevida de tarifa de pacote de serviços após esse período. Débito que seria parcialmente exigível. Negativação por valor superior ao efetivamente devido. Inexistência de danos morais indenizáveis. Sentença mantida, majorando-se a verba honorária de sucumbência. Artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. Recurso não provido.
(TJSP. Apelação nº 0071019-12.2013.8.26.0002.Relator (a): Hélio Nogueira;Comarca: São Paulo;Órgão julgador: 22ª Câmara de Direito Privado;Data do julgamento: 08/06/2017;Data de registro: 09/06/2017)
Em sentido semelhante é a decisão monocrática do Ministro SIDNEI BENETI, ao resgatou, também por equidade, os critérios da antiga redação da resolução 2.025 do BACEN:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.246.228 - RS (2011/0066414-1)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADO : WALTER ROBINSON FONSECA DE BARROS E OUTRO (S)
RECORRIDO : JOSÉ VANDERLEI SAVI
ADVOGADO : LUCIANA POTRICH GASPERIN E OUTRO (S)
DECISÃO
(...)
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONTA CORRENTE. TAXAS E TARIFAS. INDENIZATÓRIA. Demonstrado pelo autor os fatos constitutivos na inicial, de que houve falha na prestação do serviço, consubstanciada na cobrança de dívida construída somente por encargos de manutenção de conta inativa, por mais de cinco anos. A Resolução nº. 2.025 do BACEN dispõe que a conta sem movimentação por seis meses deve ser considerada inativa.
(...)
(Ministro SIDNEI BENETI, 19/04/2011)
Outra regra sobre o prazo dos seis meses como limite de cobrança de taxas e tarifas de contas inativas se encontra no normativo SARB 002/2008 (NORMATIVO DE CONTA-CORRENTE) do Sistema de Autorregulamentação Bancária da Federação Brasileira dos Bancos:
Seção III – Do encerramento de conta corrente por iniciativa da Instituição Financeira Signatária
Subseção II – Do encerramento de conta corrente sem movimentação espontânea por mais de 6 (seis) meses, sem saldo ou com saldo devedor
Art. 28. Constatada a situação de paralisação da conta corrente por mais de 6 (seis) meses, a Instituição Financeira Signatária, como regra geral, suspenderá, a partir do 6º(sexto) mês, a cobrança de tarifa relativa a eventual pacote de serviços a ela vinculado, bem como de encargos sobre o saldo devedor, caso ultrapasse o saldo disponível.
Parágrafo único. No caso de paralisação da conta corrente previsto no caput do presente artigo, a Instituição Financeira Signatária poderá:
I - manter a conta corrente paralisada, sem encerramento; ou
II - encerrar a conta corrente.
Art. 29. Caso a Instituição Financeira Signatária opte pelo encerramento da conta corrente paralisada por mais de 6 (seis) meses deverá, entre outras providências:
I - comunicar previamente o consumidor, mediante meio eficaz, sobre a situação da conta corrente, assinalando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias corridos para a sua reativação ou adoção de providências de encerramento; e
II - Decorrido o prazo assinalado no inciso anterior sem manifestação do consumidor, suspender a incidência de quaisquer débitos sobre a conta corrente, inclusive de tarifas de serviço, que a qualquer título tornem seu saldo negativo ou majorem o saldo negativo já́ existente e proceder ao pronto encerramento da conta corrente.
§ 1º A comunicação prevista no inciso I deste artigo deverá informar sobre a rescisão do contrato de crédito e o cancelamento do respectivo limite, na hipótese de a conta corrente ter limite de crédito vigente.
§ 2º Débitos de responsabilidade do consumidor por fatos anteriores à suspensão devem ser cobrados em procedimentos que não requeiram a utilização da conta corrente.
Art. 30. A inscrição do consumidor nos serviços de proteção ao crédito será comunicada ao consumidor de forma prévia e por escrito ou por meio eletrônico.
Exposto o normativo da SARB, é necessário salientar que alguns doutrinadores, a exemplo de EDUARDO SALOMÃO NETO[3], entendem que as normas de autorregulação bancária,via de regra, não vinculam juridicamente as instituições financeiras perante o consumidor. É ensinamento do doutrinador em questão:
Não é só do Direito positivo que são provenientes as regras que protegem o consumidor. Também podem ter elas origem em acordos entre grupos de fornecedores, com vistas a assegurar padrão mínimo de conduta, que preserve a reputação da indústria em questão, com benefícios para todos os seus componentes. Fala-se então em autorregulação.
As regras de autorregulação podem ser de duas espécies: as que têm por base a lei e ganham caráter vinculante, ainda que elaboradas pela própria indústria que se subordinará a elas, e as que resultam apenas de acordo entre os membros, de natureza contratual. A principal diferença destas últimas em relação às primeiras reside no fato de que não geram direitos para consumidores, mas apenas a possibilidade de sanções em virtude de descumprimento do padrão acordado, a serem impostas por iniciativa da entidade autorreguladora. Tais sanções normalmente centram-se de maneira imediata na perda do direito de se anunciar como membro da associação autorreguladora ou de usar seus símbolos, e de maneira mediata na perda de confiança do público e de clientela daí decorrente.
Data venia, entendo que os normativos do SARB, mesmo sem ter base em lei formal, mas por serem acessíveis ao público em geral e veiculados através do site da entidade, vinculam as instituições financeiras signatárias, uma vez que tais preceitos se equivalem a uma oferta pública (é cediço que a oferta vincula o proponente, conforme art. 30 do CDC e 427 do CC) de comportamento empresarial e padrão de qualidade. São aplicáveis, dessa maneira, as normas protetivas do Direito do Consumidor!
Entendo, ademais, que a autorregulação bancária pode ser fonte normativa, porque, ante o vácuo legal, há de se aplicar os usos e costumes empresariais. Todavia, se eles não forem mais favoráveis ao consumidor, contrariando aquilo que porventura estiver previsto como regra ou princípio no CDC (ou outras normas protetivas), não poderão ser aplicados.
Desse modo, concluo que é possível a limitação da cobrança de taxa de manutenção de contas inativas pelo prazo de 06 (seis meses), tanto pelos critérios da equidade e boa-fé – ambos construídos pela jurisprudência – , quanto pela aplicação dos usos e costumes empresariais (haja vista que estes dois últimos são fontes normativas subsidiárias).
[1] Eis textos atuais (inclusive, compilado) e o original da Resolução 2.025 do BACEN/1993, todos disponíveis em: <https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&ano=1993&numero=2025>. Acessado em 26/06/2017
[2] REALE, Miguel. Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/anais_onovocodigocivil/anais_especial_1/Ana....>. Acessado em: 14/06/2017.
[3] SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2014, pg. 176

Por: Marcos Aurélio

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