19 julho 2017

Terceirização no campo – como fica o trabalho rural com a Lei 13.429, de 31 de março de 2017



Sem nenhuma surpresa a Lei 13.429, de 31 de março de 2017, reacendeu o previsível, e vetusto, debate da “precarização” versus “modernização” das relações de trabalho em geral, incluindo o trabalho realizado no meio rural. Infelizmente, muitos em nosso país, insistem em defender posições ultrapassadas, corroídas pela ferrugem do tempo e carcomidas pela prática. E não afirmo isso apenas em relação aos sindicatos dos trabalhadores, mas, também, aos segmentos ditos “conservadores” do empresariado brasileiro que, como sabido, apesar de defensores do “livre mercado”, não abrem mão das benesses de nosso capitalismo de compadrio.
Seja como for, a Lei 13.429/2017 constitui-se em inegável avanço nas relações laborais, especialmente em razão do fim da injustificável dicotomia atividade “meio” – atividade “fim”, situação que excluía do instituto da terceirização centenas, ou milhares, de segmentos econômicos ávidos por ganho de produtividade, dentre os quais o agronegócio.
Nesta província chamada Brasil a árdua tarefa de produzir riquezas, gerar empregos e tributos, é confundida com algo muito diferente do que empreender e buscar o desenvolvimento econômico. A pretexto de “proteger o trabalhador”, nosso país chafurda no subdesenvolvimento econômico e social, notadamente, no que interessa ao presente artigo, a partir de um marco legal anacrônico. Nem é preciso dizer acerca de nossa pífia posição global no ranking de produtividade e de competitividade. Felizmente, este quadro começa a ser alterado.
No âmbito das relações laborais no campo, a lei da terceirização avança ao permitir a formalização de atividade por demais corriqueira nas cidades mas que, por conta da marginalização provocada pela ausência de marco legal, tornava a intermediação de mão de obra rural precária, instável e arriscada, seja para o prestador, seja para o tomador dos serviços, seja para o próprio trabalhador – elo mais frágil da cadeia laboral, muitas vezes vitimado pela ausência de escrúpulos de um lado, somada à ineficiência da fiscalização por parte dos órgãos de estado de outro.
É possível que a terceirização, num primeiro momento, signifique a redução da remuneração do trabalhador, em especial do de menor qualificação, principalmente em razão da presença da empresa de intermediação de mão de obra. Além disso, o mercado de trabalho deverá acomodar-se ao novo marco legal num ambiente de desemprego em alta, crise financeira e “industrialização” da produção rural. Entretanto, tais contingências são superáveis pelo crescimento econômico que, como dizem os economistas, é consequência do investimento e este, por sua vez, somente floresce num ambiente de negócios que contemple um marco jurídico adequado e condições ideais de competitividade.
Diga-se, entretanto, que o objetivo da terceirização não é simplesmente reduzir salários. Trata-se de instituto vocacionado à busca do aumento da produtividade, que permite a especialização das atividades do trabalhador e a melhor alocação dos recursos humanos e materiais e da tecnologia pelo empresário. Não é instrumento de “luta de classes”, nem de “exploração dos pobres”, mas, sim, de melhor gerenciamento de custos e de desempenho.
Segundo Alice Monteiro de Barros, a terceirização “consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou de suporte, mais propriamente denominadas de atividades-meio, dedicando-se a empresa à sua atividade principal, isto é, à sua atividade-fim.”
O novo marco legal permite, diferentemente da conceituação clássica do instituto, terceirizar inclusive as atividades-fim do tomador dos serviços. Trata-se da grande novidade da lei que, inclusive, deverá provocar modificação na Súmula 331 do TST que permite tão somente a terceirização das atividades-meio.
No campo, empresas especializadas nas mais diversas fases do processo produtivo dentro da porteira permitirão ganhos de produtividade, sem prejuízos aos direitos dos trabalhadores, ampliando o giro dos negócios, dinamizando a economia, reduzindo custos, tudo em benefício da criação de empregos e da arrecadação tributária. Do mesmo modo, o trabalhador rural contará com incentivos de mercado à especialização das suas atividades.
O artigo 4.º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974, com a redação dada pela Lei 13.429/2017, define empresa prestadora de serviços como a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos, que contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.
Como se vê, o conceito é amplo, pois permite a terceirização (e a “quarteirização”) de todas as atividades econômicas, inclusive as exercidas no meio rural, desde que determinadas e específicas, ou seja, que constem expressamente no contrato de prestação de serviços firmados entre a prestadora e a tomadora.
A lei, corretamente, afasta vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante, tentando, desta forma prestar segurança jurídica, especialmente ao tomador dos serviços. Tal previsão, entretanto, é inócua, à luz do artigo 9.º da CLT, que considera nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação do trabalho.
Outrossim, haverá possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços caso a terceirização seja considerada fraudulenta, ilícita, com interposição ilegal de pessoa jurídica unicamente com o intuito de prejudicar os direitos dos trabalhadores. A existência, por exemplo, de pessoalidade e subordinação dos trabalhadores com os prepostos da tomadora, mesmo à luz do novo marco legal, poderá ser considerada terceirização ilícita, com a consequência do afastamento do dispositivo em questão, mormente porquê, no direito do trabalho vige o princípio da primazia da realidade.
Como esforço de formalização, a Lei 13.429/2017 exige da prestadora de serviços: a) inscrição no registro público de empresas mercantis (Junta Comercial) e no CNPJ (RFB); e, b) capitais sociais mínimos a depender da quantidade de empregados. Portanto, o empresário prestador de serviços (pessoa física ou jurídica) deve estar devidamente inscrito no registro mercantil e comprovar capacidade econômico-financeira para atuar no ramo de atividade em questão, além de todos os demais requisitos postos na Lei 6.019/1974.
Não há necessidade de a empresa prestadora de serviços obter registro no Ministério do Trabalho, vez que tal exigência destina-se tão somente às empresas de trabalho temporário (artigo 4.º, da Lei 6.019/1974 na redação dada pela Lei 13.429/2017). Outrossim, o artigo 4.º-B da Lei 6.019/1974, na redação dada pela Lei 13.429/2017, não prevê tal requisito para operação destas empresas.
A Lei 13.429/2017 estabelece que “contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos”. Deste modo, não há necessidade do tomador dos serviços se inscrever no registro empresarial para poder contratar a prestação de serviços, podendo ser pessoa física como ocorre, por exemplo, com grande número de produtores rurais no Brasil.
O contrato de prestação de serviços entre prestadora e tomadora dos serviços conterá qualificação das partes, especificação do serviço a ser prestado, prazo para realização do serviço, quando for o caso, e o valor da avença. As atividades que poderão ser objeto de terceirização no campo, segundo o artigo 2.º, da Lei 8.023/1990, são as seguintes, podendo ser desdobradas:
a) a agricultura;
b) a pecuária;
c) a extração e a exploração vegetal e animal;
d) a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
e) a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando, exclusivamente, matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como, a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.

É vedada à contratante, ou seja, à tomadora dos serviços, a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços. Daí a importância da correta elaboração do contrato de prestação de serviços que deverá, então, prever em seu objeto todo o escopo do trabalho, sendo que eventuais serviços não previstos deverão, obrigatoriamente, estar contemplados em aditamento prévio, sob pena, inclusive, da Justiça do Trabalho desconsiderar a avença e reconhecer vínculo do trabalhador com a tomadora.
De especial relevância para a terceirização do trabalho rural é a previsão de que os serviços contratados poderão ser executados nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes, em harmonia com o artigo 2.º, da Lei 5.889/1973 (Lei do Trabalho Rural), que se refere a prestação de serviços não eventuais em propriedade rural ou em prédio rústico.
Em todo o caso, a lei estabelece que é de responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato; ou seja, a própria tomadora dos serviços é responsável pelas condições mediante as quais o trabalho será realizado, tais como previstas na NR31 do Ministério do Trabalho, o que poderia aparentar um contrassenso, visto que os empregados são terceirizados, mas que revela a preocupação do legislador com o direito fundamental à saúde no trabalho.
Deste modo, é recomendável à tomadora cercar-se das devidas cautelas quanto ao tema, de modo a garantir o cumprimento das obrigações contratuais da prestadora, sob pena de responsabilidade pessoal e direta por eventuais infrações à legislação da saúde, segurança e higiene no trabalho.
A tomadora poderá, caso entenda conveniente, estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado, providência que previne discriminação no local de trabalho sem o risco de autorizar a formação de vínculo empregatício entre a contratante e o empregado.
Por fim, a Lei 13.429/2017 estabelece que a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou seja, mediante retenção do percentual de 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços (responsabilidade tributária da Tomadora).
De resto, frente às alterações legislativas acima comentadas, verifica-se que ao contrário do afirmado por muitos, no calor dos debates, não houve, e não há, “precarização” nas condições de trabalho seja na cidade, seja no campo. Recorde-se que a contratação de trabalhadores para a prestação de serviços terceirizados ainda deverá obedecer aos comandos da Constituição Federal, da CLT e da Lei do Trabalho Rural (Lei 5.889/’973).
O novo marco legislativo não comprometeu nenhuma garantia constitucional do trabalhador, não derrogou direitos, e não transformou o trabalho em “mercadoria”. Houve, em verdade, adequação às novas realidades do mundo do trabalho, trazendo segurança jurídica à relação jurídica laboral e proporcionando ao agronegócio um marco regulatório mais confiável, em incentivo ao investimento e à produção.
Por: Rogério Oliveira Anderson

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