27 junho 2022

O Direito Sucessório na Filiação Socioafetiva.

 O DIREITO SUCESSÓRIO NA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.

RESUMO

Este trabalho terá como objetivo fazer o estudo sobre tema “o direito sucessório na filiação socioafetiva”. Será abordado os aspectos gerais da sucessão, como seu conceito, suas modalidades de sucessão e a vocação hereditária. Após, irá tratar-se da sucessão legítima, seu conceito, suas categorias ou classes sucessórias e a sucessão dos descendentes. Para finalmente discorrer sobre a filiação socioafetiva e como ela é abordada no direito sucessório.

Palavras-chave: Sucessão. Socioafetivo. Família.

INTRODUÇÃO

A palavra sucessão advém do termo em latim “successio”, tem como conceito a ideia de alguém irá assumir algo antes pertencente a outro, e com essa apoderação vem junto a responsabilidade pelos bens, direito e deveres que os acompanham. Simplificando a sucessão como uma transmissão de direitos.

O direito das sucessões está previsto na Constituição Federal de 1988, artigo , onde estão presentes os direitos e garantias fundamentais do ser humano, no inciso XXX, encontra-se o direito de herança, o inciso XXXI dispõe que, a sucessão de bens de estrangeiros presentes no território brasileiro será coordenada pela lei brasileira, em benefício dos filhos brasileiros ou do cônjuge, salvo se a lei do domicílio do autor da herança apresentar-se mais benéfica a eles.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXX - é garantido o direito de herança;

XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus";

(...)

O conceito de família atual é diferente do conceito que se tinha há alguns anos atrás, e continua mudando para tentar englobar todas as possibilidades que o conceito de família pode abordar. No passado, o único conceito aceitável de família era aquele grupo de pessoas com relação consanguínea composta por um pai, uma mãe e seus filhos. Atualmente isso mudou, havendo diferentes formações de famílias, como exemplo tem-se as anaparentais, monoparentais, união estável, casamento, etc.

A Constituição Federal de 1988 determina a igualdade entre todas as pessoas perante a lei, sendo assim, o Código Civil de 2002 determinou o princípio da igualdade entre os filhos. Este princípio veio como forma de combater as discriminações que sucediam no passado com o ordenamento jurídico presente no Código Civil de 1916, onde se tinha termos como; filho adotivo e filho bastardo. Para além, o Código Civil de 2002 também instaurou uma nova possibilidade de paternidade a ser admitida e regulada, sendo esta a socioafetividade.

I – CONCEITO DE SUCESSÃO

A sucessão é o ato de assumir o lugar de outra pessoa e sua titularidade para com certos bens. Porém, para os fins do presente trabalho, o termo sucessões deve ser entendido somente como que para incorporar a sucessão mortis causa, que decorre da morte. Não esquecendo de que há sucessão inter vivos. A sucessão é a transferência do patrimônio de alguém que já morreu a seus devidos sucessores. Patrimônio que compreende não somente na transmissão dos bens, mas também das dívidas que o de cujos deixou. A Constituição Federal de 1988 garante o direito de herança em seu artigo 5º, inciso XXX, e o Código Civil aborda o direito das sucessões em quatro títulos, sendo estes; da sucessão em geral, sucessão legítima, sucessão testamentária e do inventário e partilha. Nas palavras de José de Oliveira Ascensão (2000):

O Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte. A continuidade a que tende o Direito das Sucessões manifesta-se por uma pluralidade de pontos de vista. No plano individual, ele procura assegurar finalidades próprias do autor da sucessão, mesmo para além do desaparecimento deste. Basta pensar na relevância do testamento. A continuidade deixa marca forte na figura do herdeiro. Veremos que este é concebido ainda hoje como um continuador pessoal do autor da herança, ou de cujos. Este aspecto tem a sua manifestação mais alta na figura do herdeiro legitimário. Mas tão importante como estas é a continuidade na vida social. o falecido participou desta, fez contratos, contraiu dívidas... Não seria razoável que tudo se quebrasse com a morte, frustrando os contraentes. É necessário, para evitar sobressaltos na vida social, assegurar que os centros de interesse criados à volta do autor da sucessão prossigam quanto possível sem fracturas para além da morte deste.”

I.I - MODALIDADES DE SUCESSÃO

Existem duas modalidades primárias de sucessão mortis causa, presentes no artigo n. 1.786 do Código Civil, sendo essas; a sucessão legítima e a testamentária. A sucessão legítima, também conhecida por sucessão ab intestato é aquele que resulta da lei, que apresenta a ordem de vocação hereditária, deduzindo a vontade do autor da herança, por conta da ausência de testamento. Desse modo, a lei defere a herança aos descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro (herdeiros necessários) e aos colaterais até o quarto grau (herdeiros facultativos), essa concessão respeita a relação preferencial, onde a classe sucessória mais próxima do de cujos se sobressai as classes posteriores. A sucessão testamentária, por sua vez, tem origem no ato de última vontade do morto, realizado por testamento, legado ou codicilo. Mas, caso haja herdeiro necessário, ele irá barrar essa disposição, pois é assegurado por lei que a metade da herança, legítima, será passada a ele. Ficando a critério do de cujos, conceder a outra porção da herança disponível a quem quiser, salvo casos previstos em lei. Um desses casos é o pacto sucessório, proibido por lei, um contrato não pode tratar sobre a herança de pessoa viva. O meio possível de se antecipar a futura herança é pela doação entre ascendentes e descendentes.

I.II - VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Quando se fala em herança a relevância recai sobre as pessoas que são legitimadas a suceder ou herdar o patrimônio. O artigo 1.798 do Código Civil dispõe que “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” Reconhecendo dessa forma, a legitimação sucessória para o nascituro, aquele que já foi concebido mas ainda não nasceu. O artigo n. 1.799 do mesmo Código, prescreve aqueles que podem suceder na sucessão testamentária, são eles: Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; as pessoas jurídicas; as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação. Porém, mesmo os casos de sucessão subscritos no artigo anterior devem respeitar outras regras, como as presentes no artigo 1.800 e 1.801 do mesmo Código.

De todos os meios de sucessão citados, são nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder. (art. 1.802 e parágrafo único, CC).

II - FILIAÇÃO

A palavra filiação advém do latim filiatio, significando, o estado de filho. A filiação retrata uma ligação entre as pessoas, um grupo em formação ou já completo, normalmente traduz a relação de pessoas no primeiro grau e em linha reta, tendo como sujeitos os pais em relação aos filhos.

A filiação é, destarte, um estado, o status familiae, tal como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam seu reconhecimento, modificação ou negação são, portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram. (VENOSA, 2017, p. 238)

Os textos do antigo Código Civil tratavam os filhos havidos fora do casamento de maneira discriminatória, porém com a evolução do Direito de Família isso deixou de acontecer. A filiação é o núcleo familiar, as relações que os indivíduos da família possuem no seu dia a dia, essa filiação contribui para a formação do caráter e da personalidade humana. Dessa forma, não se pode entender que a filiação somente se dá através da carga genética, pois ela recai sobre a convivência, o que irá ser a base para a construção de um vínculo parental e a formação de uma família.

A filiação é a relação de parentesco estabelecida entre pessoas que estão no primeiro grau, em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram, com base no afeto e na solidariedade, almejando o desenvolvimento da personalidade e realização pessoal. (FARIAS; ROSENVALD, 2016)

Entende-se que a filiação é a formação de uma relação de parentesco, que possui direitos e deveres recíprocos. Sendo assim, sendo o filho titular do estado de filiação, o pai será titular do estado de paternidade para com o filho. Sempre havendo o estado de filiação onde houver a paternidade juridicamente considerada.

III - FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A atual definição de filiação no Direito de Família é uma relação de parentesco entre duas pessoas, uma que terá a titularidade da autoridade parental e a outra que será unida por sua origem biológica ou socioafetiva. A filiação no entendimento de Maria Helena Diniz é:

Um vínculo existente entre pais e filhos, vinda de uma relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida podendo, ainda ( CC, arts. 1.593 a 1.597 e 1.618 e s.), ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga. (DINIZ, 2006)

Conforme o artigo n. 1.593 do Código Civil, “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Assim sendo, a filiação pode se dar entre pais e filhos de uma relação socioafetiva entre pai institucional e adotivo e o filho adotado ou de outra origem. É necessário abordar a igualdade de filiação, diferentemente do antigo Código, no presente, os filhos de origem biológica e não biológica possuem os mesmos direitos e as mesmas qualificações, sendo ambos iguais, sem hierarquia entre os biológicos e os socioafetivos. Respaldado no artigo n. 1.596 do Código Civil, “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Entretanto, para que a paternidade socioafetiva seja possível ela deve respeitar e cumprir alguns requisitos. O nome, será verificado se o filho utiliza o nome da família; O tratamento, a maneira como o filho é tratado pela família e como ela o estima; e a fama ou reputatio, destina ao reconhecimento da sociedade, se ela acha que ele se encaixa a família. Sendo os requisitos cumpridos, tem-se a filiação socioafetiva, judicial ou extrajudicial. Daí em diante, os filhos socioafetivos passam a gozar dos direitos e deveres de filho. Em alguns Estados, a filiação socioafetiva pode ser reconhecida sem que haja a necessidade de mover ação judicial, sendo feita diretamente no Cartório de Registro Civil, para que isso possa ser feito, não se pode haver parentalidade registral estabelecida e é suficiente a anuência por escrito do filho maior de idade.

IV - DIREITO SUCESSÓRIO NA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A sucessão é a titularidade de direitos em decorrência da morte, onde o patrimônio do de cujos, incluindo suas dívidas, vão ser transmitidos a seus sucessores. O artigo n. 1.784 do Código Civil dispõe sobre o Princípio da Saisine, princípio fundamental do direito sucessório, diz que a morte opera a imediata transferência da herança aos seus sucessores legítimos e testamentários, buscando impedir que o patrimônio deixado fique sem um titular, enquanto se aguarda a transferência definitiva dos bens aos sucessores do falecido. A posse direta é conferida ao inventariante ou administrador provisório da herança e a posse indireta é cedida aos sucessores.

Aqueles que são capazes de receber a herança são as pessoas vivas e as concebidas no momento da abertura da sucessão. Dessa forma, o nascituro também entra no rol de herdeiro, mas só recebe a herança após seu nascimento. Sendo os descendentes os primeiros na linha de sucessão, deve ser aplicado o princípio de igualdade entre os filhos. Como já mencionado, não se pode haver diferenciação entre os filhos consanguíneos, adotivos ou socioafetivos. Assim como preconiza o enunciado n. 6 do IBDFAM, “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.” Não podendo o filho afetivo ser impedido de ter o reconhecimento de um direito somente pela falta de formalização.

Apesar de a filiação afetiva ser aceita na sociedade brasileira, e seja reconhecida no Direito de Família, não está expressamente tutelada no ordenamento jurídico brasileiro. Por essa ausência de expressão legal, o tema sucessão socioafetiva é versado em doutrinas e jurisprudências, elas confirmam o direito de sucessão, como herdeiro necessário, já que é descendente, baseando-se no princípio de igualdade entre os filhos, assim como dispõe o artigo n. 227, § 6º, da Constituição Federal, “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”, que é reforçado pelo texto do artigo n. 1.596 do Código Civil. Por este entendimento, há considerações de que a tutela presente na afetividade sobrepõe a tutela do direito consanguíneo.

Como se pode observar na jurisprudência a seguir:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STF. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido.

Sabe-se que, mesmo os Tribunais tendo dificuldade em comprovar esse vínculo socioafetivo, sempre se busca o reconhecimento da filiação socioafetiva, mesmo que quando essa é realizada somente após a morte do autor da herança.

CONCLUSÃO

No presente estudo fora abordada a sucessão e suas principais características, para ter-se a sustentação ao se falar sobre a filiação socioafetiva e como ela incide no direito de sucessão. Viu-se que, estando presente à posse do poder de filho e o poder parental, deve ser reconhecida a relação de parentesco socioafetivo. Essa posse de estado corrobora o vínculo parental, e mesmo que não haja ligação biológica, deve ser relevante para os fins de direito.

Diante a tudo o que foi falado, deve-se ser respeitado o Princípio da igualdade entre os filhos, pois, mesmo que existam lacunas sobre a filiação socioafetiva na sucessão, pelas jurisprudências e doutrinas essa modalidade vem ganhando espaço no ordenamento jurídico, tendendo que, se a pessoa é considerada como filho, deverá ser considerado como herdeiro.

REFERÊNCIAS

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Sucessões. – 5. ed. – Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm>;

Acesso em: 20. Jan. 2022.

CARVALHO, Milton Paulo de. Código Civil Comentado: Coordenador Ministro Cezar Peluso. – 2. ed. – Manole: Barueri, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. – v. 5: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 436.

_________________. Curso de Direito Civil Brasileiro. – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 1999.

GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. VI. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito de Família. – 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008

Superior Tribunal de Justiça STJ – Recurso Especial nº 1618230 RS 2016/0204124-4. Órgão Julgador: 3ª Turma. Julgamento: 28/03/2017. Publicação: 10/05/2017. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/465738570/recurso-especial-resp-1618230-rs-2016-0204124-.... Acesso em: 20. Jan. 2022.

VADE, Vade Mecum Saraiva. – 25. ed. atua. e ampl. – São Paulo: Saraiva Educação: 2018.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.


Por Heloisa Azevedo

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